quinta-feira, 31 de maio de 2007

Uma história de casamento

Marido e mulher estão juntos há dez anos. Faziam amor todos os dias, agora fazem amor apenas uma vez por semana, mas isso afinal não é muito importante: existe cumplicidade, apoio mútuo, companheirismo. Ele fica triste quando tem de jantar sozinho, porque ela teve de ficar mais tempo no emprego. Ela lamenta quando ele viaja, mas entende que isso faz parte da sua profissão. Sentem que alguma coisa começa a faltar, mas são adultos, atingiram a maturidade, sabem o quanto é importante manter uma relação estável - nem que seja em nome dos filhos. Dedicam-se cada vez mais ao trabalho e às crianças, pensam cada vez menos no casamento - que aparentemente vai muito bem, não existe outro homem ou outra mulher. Notam que algo está errado. Não conseguem localizar o problema. À medida que o tempo passa, vão ficando cada vez mais dependentes um do outro, afinal a velhice está a chegar, as oportunidades de uma nova vida estão a desaparecer. Procuram ocupar-se cada vez mais, leitura, bordados, televisão, amigas - mas existe sempre a conversa ao jantar ou a conversa depois do jantar. Ele fica irritado com facilidade, ela fica mais silenciosa do que é habitual. Um sabe que o outro está cada vez mais distante e não percebe porquê. Chegam à conclusão de que um casamento é assim mesmo, mas recusam-se a conversar com os seus amigos, passam a imagem de um casal feliz, que se apoia mutuamente, tem os mesmos interesses. Surge um amante aqui, uma amante ali, nada de sério, claro. O importante, o necessário, o definitivo é agir como se nada estivesse a acontecer: é demasiado tarde para mudar.
A ideia de que o amor leva á felicidade é uma invenção moderna, do final do Século XVIII. A partir daí, aprendemos a acreditar que o amor deve durar para sempre e que o casamento é o melhor lugar para o exercer. No passado, não havia tanto optimismo quanto à longevidade da paixão. Romeu e Julieta não é uma história feliz; é uma tragédia. Nas últimas décadas, a expectativa quanto ao casamento como o caminho para a realização pessoal cresceu muito. A decepção e a insatisfação cresceram simultaneamente. "Amor" era sinónimo de ternura, segurança, prestígio, conforto, sucesso. "Amor" traduzia-se em sorrisos, em palavras como "amo-te" ou "adoro quando chegas a casa."
(Paulo Coelho in O Zahir)

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