sábado, 8 de setembro de 2007

Espaço Poesia - A Raposa e o Lobo


Quando tudo era falante,
diz que a raposa caiu
num poço, de água abundante.
Chegou um lobo arrogante,
que passava acaso e a viu.

Duma polé pendurava
(porque o poço era profundo)
uma corda, à qual atava,
dois baldes: um no alto estava,
noutro a raposa no fundo.

Pois a bicha, que era matreira,
chama o lobo e diz: «Senhor,
já que eu não fui a primeira
socorrei vossa parceira,
que eu sei que tendes valor!»

Ora assim, sem mais porfia,
o lobo, que é fanfarrão,
já no balde se metia.
Ele cai, ela subia,
por uma mesma invenção.

Toparam-se ao perpassar;
e o lobo, meio caindo,
nem lhe ousava falar;
ela, a rir e a rebentar
de se ver tão bem subindo...

Enfim ao medo venceu,
fala o lobo e diz: «Comadre,
isto vos mereço eu?»
Ela a zombar do sandeu,
nem lhe quis chamar compadre,
mas diz-lhe: «Dom vagabundo,
teus queixumes não me empecem;
acaba já de ir-te ao fundo;
isto são cousas do mundo:
quando um sobe, os outros descem.»


D. Francisco Manuel de Melo
in Poesia para a Infância
(Colectânea de Alice Gomes)